Juntámo-nos para falar sobre parentalidade positiva, a convite da Mum’s the boss, e acabámos por falar de felicidade. Já em tom mais privado, deixei escapar uma frase: “sou bem mais feliz do que o Miguel”. Disse-o porque julgo que a felicidade é, também, uma questão de perspectiva.
Eu sei que é mais fácil falar assim porque a vida não foi ingrata comigo, eu sei que não enfrentei grandes adversidades, que nada de verdadeiramente importante me faltou, mas também já tive momentos duros, momentos em que perdi pessoas que me eram próximas, uma delas que amei incondicionalmente, já deixei de comer e de dormir por questões de trabalho, já chorei por ter que deixar o meu filho com apenas 1 mês e meio para vir trabalhar, já tive dias de stress que terminaram em choro, já tive desilusões, algumas grandes… E mesmo assim sou feliz, mais feliz, porque perante um facto adverso penso em tudo o que de bom já tive, lembro-me de que o facto menos positivo pode ter um reverso mais simpático ou que, não o tendo, não vale a pena pensar nisso e o caminho é seguir… Ou seja, sei que sou eu, por ter esta forma de encarar a vida, que faço grande parte da minha felicidade.
E, por isso, num qualquer dia mau, porque não dormi, porque aturei um cliente lunático, porque recebi uma sentença injusta, porque me sinto incompreendida, porque estou mais pesada do que devia, porque fiz uma birra, porque errei, penso:
…em todos os beijos e abraços fáceis da minha mãe, em ter corrido como uma bomba com o meu pai, nos almoços grandes da minha família, no gelado de morango a escorrer-me pelas mãos nos tempos em que ainda existiam beijinhos na praia da Póvoa, na primeira pergunta que uma colega me fez na entrada de uma escola que para mim era nova e saber que 20 anos depois ainda me lembro da sua voz, do seu cabelo, da roupa verde claro que trazia e, mais importante, que ainda é minha amiga, na possibilidade de ter tido a quem chamar mana, sendo filha única, no riso compulsivo ao ver que nos sugeriam uns vidrões para servirem de alojamento numas férias de amigos, nas cartas com mais de 15, 20 anos de amigas que hoje ainda o são, em ter sido eu a descobrir a flor de sinais que ocupam a curva do pescoço do Miguel, em termos festejado a recuperação de uma amiga e nesse dia ter ficado marcada a data do nosso casamento, nos Carnavais, nos pic-nics, em escorregar no azeite junto à Venepor, nos chocolates oferecidos por nada, nos telefonemas improváveis, no primeiro barulhinho que ouvi o meu afilhado fazer, acabado de nascer, no ramo de flores que o Miguel fez entregar de surpresa no meu escritório, no passeio de gôndola ao entardecer em Veneza, em passear em Londres no Natal, no dia perfeito que nos calhou como dia para casar, no adormecer na ilha de Campeche, um sono tão profundo que só foi acordado pela ameaça de tempestade, em ter sido convidada para madrinha pela segunda vez sem sequer imaginar, no passeio de barco nas Cataratas de Iguaçu, no arco-íris prateado num jantar inesquecível (nisto penso vezes sem conta), nas aventuras mais improváveis que já vivi como passear nos esgotos ou enfrentar o furacão Dean na Jamaica, em ver o sol nascer depois de uma festa e fazer bowling humano, nas conversas até altas horas da madrugada, nos jantares de amigos, nas sobremesas, no saber-me grávida, na emoção de espalhar a novidade, na felicidade que foi sentir o Pedro em mim, na história dos desenhos que o Cutileiro fez especialmente para mim, em ter o Diogo ao colo e o Pedro na barriga, em sentir pela primeira vez o quente do meu filho junto à minha pele, na felicidade que vejo o Pedro trazer aos meus pais e à minha avó, na primeira vez que me chamou mamã, no seu primeiro mergulho, em tudo o que o meu pequeno vai fazendo e que todas as crianças fazem mas que nele parece ser mais especial…
…e penso ainda que já chorei mais vezes de alegria do que por tristeza…