sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Os cincos sentidos da minha infância | com os meus pais

Uma imagem: eu, deitada no colo da minha mãe, ouvindo o meu pai a teclar.
Um cheiro: o cheiro da minha mãe, aquele cheiro que ainda hoje lhe encontro, mude as vezes que mudar de perfume, na curva do seu pescoço.
Um sabor: chocolate, em mais dias do que seria suposto, sempre o chocolate.
Um som: Bolero de Ravel, a banda sonora da minha infância.
Um gesto (o tacto): a minha mão na mão do meu pai, a força com que me agarrava a mão, enquanto corríamos "como uma bala".

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Os cinco sentidos da minha infância | com os meus avós

Uma imagem: os vidros embaciados pelo calor de tanta gente numa casa pequena.
Um cheiro: já não me lembro do sabor dos bolos da minha avó, mas lembro-me do cheiro de bolo acabado de cozer.
Um sabor: o pão fresco, com manteiga dos Açores, molhado no leite com cevada, tal como a minha avó sempre fez e faz.
Um som: os cascos dos cavalos na calçada ao amanhecer, enquanto eu adiava o levantar na cama dos meus avós.
Um gesto (o tacto): o meu primeiro banho, pelas mãos do meu avô (não tenho uma lembrança minha desse momento, mas ouvir a descrição da minha mãe, recordar a voz do meu avô, contando-me aquele momento, ver as fotografias daquele meu 13º dia - o primeiro banho era tardio, há 33 anos - relembram-me como era especial sentir as mãos do meu avô na minha pele).

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Depois da zona de rebentação

[Os Verões da minha infância nas praias de Sintra. O mar bravo. O maior susto de sempre agarrada à mão do meu primo Zé.]

O que sinto agora é que já passei a zona de rebentação. Pode ter sido o maior susto de sempre, mas, desta vez, tive tantas mãos para me agarrar. Já galguei as ondas e correu tudo tão bem. Tive medo no exacto momento em que mergulhei, mas mal vim à tona deixei-o para trás. Ainda ouço as ondas altas, mas já estou naquela zona do mar em que posso boiar.

[Depois da zona de rebentação, as praias de Sintra têm outro encanto.]

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A minha avó velhinha

Hoje, enquanto conduzia até ao meu escritório, lembrei-me de como a minha avó materna está muito velhinha. Fiquei mais triste do que é costume ao pensar na minha avó velhinha. Não pelo peso dos 90 anos que Dezembro a fará completar, não pelas rugas, não pela escassa mobilidade, não pelo discurso que é muitas vezes irreal, não pelas vezes que pergunta a mesma coisa. A minha avó materna está muito velhinha porque ninguém lhe foi capaz de dizer que a minha mãe está doente. Nem a minha mãe. A minha mãe, que ainda tem mãe, não lhe pode pedir colo. A minha avó está muito velhinha. Eu bem sei que ela saberia bem dar colo, sempre foi a melhor das avós, das mães a dar colo, mas todos acham que está muito velhinha para saber da razão da necessidade do seu colo. Fiquei mais triste ao pensar na minha avó velhinha. Têm sido tantas as vezes que lhe ocultam a necessidade do seu colo, têm sido tantos os colos que ficam por dar. Fiquei mais triste pela minha avó, que velhinha, poderia, ainda assim, querer saber e dar colo. [E fiquei mais triste pela minha mãe.]