quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Outubro rosa

Precisava que os dias de Outubro fossem rosa. Nesse sentido mais poético que usamos quando nos referimos a "dias cor-de-rosa". Precisava que assim fosse e Outubro tem-me (nos) trocado as voltas.

Foi em Outubro que a minha mãe recebeu a notícia de que tem cancro da mama. Depois de uma suspeita séria, a confirmação pela minha voz. Não tremi a voz por um segundo, ainda que as minhas mãos, que seguravam o resultado da biópsia, pudessem denunciar o contrário.

Foi em Outubro que redescobri que tenho uma capacidade, que até a mim me surpreende, de ser optimista e segura na doença. Foi em Outubro que redescobri como a minha crença em finais felizes me permite abraçar quem amo com mais confiança.

Uma amiga, que tanto nos tem ajudado neste Outubro, dizia-me, um dia destes, que uma notícia destas nos abala como um tremor de terra e que uns se mantêm de pé, outros não, mas que mesmo aqueles que se mantêm de pé, fortes, optimistas, são os que disfarçam melhor. Essa afirmação fez-me pensar se esta minha forma de reagir é dissimulada. Tenho duas caras, eu que nunca fui de esconder sentimentos?
Foi em Outubro que tive a certeza que eu sou daqueles que se mantêm de pé. Mas eu não disfarço. Eu acredito, sinceramente, que este Outubro, que nos tem trocado as voltas, é rosa. Não parece à primeira vista, mas é rosa, porque foi Outubro que nos fez tremer o chão, a tempo de um abalo maior.
O mês que se segue a Outubro mudará o tempo verbal que nos inquieta: depois de Outubro, a minha mãe terá tido cancro da mama.
E eu só acredito em finais felizes porque o amor que tenho pela minha mãe não me permite ser de outra forma. A minha mãe não sabe, mas foi ela que me fez assim. Com o seu amor.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Ser mãe e falhar

Acabei de ler este post sobre ser mãe e falhar. Fiquei sem palavras. Pela doçura das descrições. Pela transparência que nos transmite.

Procurei depois as minhas palavras, que andam há dias num nó na garganta.

Demorei mais de 3 anos a dar a primeira palmada ao Pedro. Eu, que podia jurar que nunca o faria. Eu, que me gabava do meu autocontrolo. Eu, que me lembro com exactidão de uma palmada concreta da minha mãe e que a julguei injusta, tão injusta. Eu, que sempre admirei o meu pai por nunca o ter feito, por nunca ter falhado nesse concreto domínio, que é o de educar sem gritar, sem palmadas. Falhou noutros. Como todos nós falhamos.
Das palmadas da minha mãe, lembro-me especialmente daquela, da injusta e de a certeza (falsa) de que tal injustiça nunca andaria na palma das minhas mãos. Das outras palmadas da minha mãe, lembro-me do seu imediato sentimento de culpa, da forma mascarada de me pedir desculpa, da ânsia de fazermos logo as pazes, fazendo-me admitir o meu erro. Já mais crescidinha, com 7 ou 8 anos, já esperava, com um sorriso disfarçado, que a minha mãe viesse ao meu encontro, para a conversa pós-palmada.

Curiosamente, depois da primeira palmada que dei ao Pedro, não senti propriamente culpa ou injustiça. Senti frustração por não ter seguido aquela certeza que tinha delineado quando vivi a injustiça da palmada da minha mãe. Senti que depois da primeira palmada, seriam mais fáceis as seguintes e a verdade é que a primeira palmada teve réplicas. De todas as vezes não senti propriamente culpa, mas novamente frustração. De todas as vezes, não corri, como corria a minha mãe, para falar do assunto com o Pedro. De todas as vezes, senti que a palmada não surtiu qualquer efeito. Prometi, em todas as vezes, voltar ao registo de conversar com calma, de arranjar uma consequência para o seu comportamento. De todas as vezes, senti que para o Pedro aquele meu erro pouco representava. Ainda assim, para lá da frustração, tinha receio que associasse as minhas falhas ao nascimento da irmã, porque as palmadas estiveram quase sempre relacionadas com um comportamento do Pedro dirigido à irmã.
As minhas falhas sabem-me, por isso, a frustração e a medo, não tanto a culpa.

Porém, num destes dias, cometi a maior falha de sempre. Dessa falha talvez o Pedro se venha a lembrar, já adulto. A propósito dessa falha também o Pedro possa vir a dizer "e eu nunca o esqueci".
Na sequência de um "salto mortal" sobre a irmã, levei o Pedro para o quarto e gritei, ralhei e chorei. Chorei à sua frente em clara perturbação pela consequência que aquele "malabarismo" poderia ter tido.
Ao contrário do que aconteceu nos episódios das palmadas, no dia seguinte, a caminho da escola, o Pedro falou no assunto. Perguntou-me porque é que tinha chorado quando fez "aquilo" à mana. Desta vez a minha falha, a de chorar à sua frente, ficou gravada.

Expliquei-lhe que, tal como já lhe tinha dito, os adultos também choram. Que choram por muitas razões, por tristeza, por preocupação, por exaustão, por medo, às vezes, até por felicidade. Que naquele exacto momento tinha chorado por medo, medo que a mana tivesse ficado magoada.
E, aproveitando o refrão da música que o Pedro tanto gosta de ouvir do Miguel Araújo, Romaria das Festas de Santa Eufémia, disse-lhe:
"É como na canção Pedro, ouve com atenção:
«Por mais duro o serviço
Que a terra peça da gente
Eu não sei por que feitiço
Temos sempre novo alento»
É a mesma coisa, meu amor, por mais difícil que tudo nos pareça, por mais coisas difíceis que o mundo nos traga, como uma preocupação grande que fez a mamã chorar, não sei bem por que magia, mas sei que tem a ver com o amor que eu tenho por ti, tudo se resolve, e estamos bem agora, nada aconteceu de grave e estamos todos felizes."

Foi a forma mais bonita que arranjei para lhe pedir desculpa, para lhe mostrar que erro, e que, mesmo assim, tenho toda a vontade do mundo para continuar a ser melhor.
Não tornou a falar do assunto.
Mas acho que este será o primeiro momento que o Pedro vai julgar como a minha falha. Este foi o meu primeiro grande nó na garganta, enquanto mãe.


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

*

Já escrevi sobre o que é sentir-me adulta. Sinto-o, normalmente, pelas piores razões e não sei se isso abona muito em meu favor.
Dormi pouco, acordei muito cedo e ainda não eram horas de estar a pé num dia normal, e lá estava eu, adulta, tão adulta, a abraçar quem tanto amo.
Depois li um post no blog da minha comadre e lembrei-me daquele jantar de mulheres no Avillez e de como fomos para casa num carro repleto. E dos risos e das fotografias. E dos risos. E das lágrimas provocadas pelo riso. Senti-me outra vez criança ou adolescente, sem preocupações sérias ou responsabilidades. E confesso, mesmo não sendo algo que se diga aos sete ventos com a minha idade, gosto muito mais dessa sensação...