quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Ana, a criança

É sempre surpreendente o discurso de uma criança. As suas convicções, alicerçadas numa ingenuidade que lhe é própria, são deliciosas. O seu raciocínio é fascinante. As suas deduções são encantadoras.

Ouço muitas histórias dos meus tempos de criança, mas os meus pais não têm um livrinho, como eu pretendo ter para o Pedro, para registar as melhores saídas de sempre.
Eu, como criança era como todas as outras: surpreendente!
Como referi no post anterior, acreditei durante muito tempo que o meu avô tinha o seu rosto pintado na parede exterior do prédio. Ele era ou não era a pessoa mais importante daquele prédio? Mais tarde percebi que era o Vasco da Gama, nome escolhido para o edifício.

Ao atravessar de carro a ponte móvel de Matosinhos a minha mãe dirigida ao meu pai dizia “olha, Abílio, olha.”, ao que respondi, “mãe, o pai parece cego, mas não é.”

Durante muito tempo acreditei, por sugestão de um tio avô, que a minha mãe já tinha sido preta e portadora de uma bela carapinha e que a mudança se tinha dado quando passou a linha do equador, quando deixou Angola, o país onde nasceu.  

Com 3 ou 4 anos caí da altura de um primeiro andar. Rachei a cabeça. O aparato foi grande. A lesão nem tanto. Quando fui encaminhada para o RX, acompanhada pela minha mãe, o médico perguntou-me “o que é me contas?” e eu respondi “a minha mãe tem um sapato de cada cor, um azul e outro preto.” (era verdade, com a aflição a minha mãe calçou sapatos de pares diferentes). O médico disse à minha mãe “ a menina está óptima, não se preocupe.”

Em miúda tinha muita dificuldade em articular a palavra pontapé (não consegui mesmo perceber a dificuldade, mas lembro-me que me saía algo muito estranho). Para evitar constrangimentos, passei a designar o pontapé como o “murro com o pé”. 

Desisti do ballet cedo. No final de cada aula havia um momento livre em que supostamente cada menina não obedecia a comandos e expressava livremente a sua criatividade. Numa das primeiras aulas quis ficar sentada no meu momento livre. A professora não entendeu o meu argumento: se era para fazer o que quiséssemos, eu queria fica sentada…

A primeira vez que fui com os meus pais ao continente de Vila Nova de Gaia a viagem pareceu-me longa de mais. À minha mãe também. Disse-lhe, convicta, que estaríamos a chegar porque na placa indicava “Gaia. Despesas.” (na verdade a placa dizia Gaia. Devesas).

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